quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

DOADORES DE SONHOS

Filme inspira-se no passado e redescobre a cultura de um país
A orquestra anuncia: “Equipe Jannah Wilson Orgulhosamente Apresenta ‘Anatólia Ardida’”. Segundos depois, uma tela assinada por Leonardo Da Vinci contextualiza a importância de uma assembleia: a menarca da Princesa Encarnação Rosa está próxima, ou seja, antes que a maldição que assola a dinastia desde o reinado de Nasser, o Homofóbico, volte a se cumprir, providências devem ser tomadas.
A partir da necessidade de afastar tal maldição, desenrola-se a mais nova obra do JWVídeos. Com “Anatólia Ardida”, a equipe de jornalistas burgueses sem diploma firma seu lugar na história do cinema nacional e exerce o ofício de repórter do seu tempo ao debater tabus e preconceitos como machismo, sexualidade, ateísmo, intolerância familiar e religiosa, e ao apresentar temas polêmicos como pedofilia, fraqueza de caráter dos poderosos, ambições políticas, real condição da mulher na sociedade.
No entanto, nem só de problemáticas sociais vive a sétima arte. A trama surpreende ao encontrar uma mina de boas histórias no passado remoto – em detrimento do cinema atual que busca outros mundos e realidades – e ao redescobrir a riqueza narrativa do folclore de um país quando tecnologias e efeitos especiais são os itens mais prestigiados por público e crítica. Antropofagia. Supino. Burguesia. Saci, Curupira, Iara – todos eles misturados a figuras imperiais e vomitados no Reino da Ásia Menor.
Reino coordenado pelo lema: “Liberté, Fraternité, Higiene”. Liberdade buscada por uma feminina e homossexual Encarnação Rosa, encarnada por Lion Pires, dono de faces e vozes; fraternidade almejada por Rei Tremendão, incansável na luta pela paz entre reinos e povos, interpretado por um surpreendente Lucas Constantino, mais solto e decidido em cena; e, por fim, higiene sonhada por um ambicioso Bobo da Corte que, assim como seu intérprete, Paulo Dias (cuja estrela brilhou mais uma vez), deseja varrer do mapa os que estão em seu caminho e assumir o poder. O elenco também conta com Helenyra Porfírio & Cônjuge, participações tão especiais quanto dignas.
Artistas talentosos, roteiro bem construído, trilha sonora adequada – “Anatólia Ardida” é um filme competente. Irreverente e revolucionária, a Equipe Jannah Wilson presenteia o público com seus personagens tão estranhos quanto cotidianos e com suas histórias tão insanas quanto possíveis de se encontrar pelas ruas de um lugar qualquer, qualquer loja. Assim, cumprem seu papel os operários sem diploma – o papel de doadores de sonhos, uma vez que o filme é distribuído gratuitamente. [por Phábio]